O último Kurt Cobain


Na última loja de discos que resta – abandonada, portas fechadas – procuro, por entre as montras forradas a papel de jornal antigo, pelo último Kurt Cobain. Restos de música feita história. São os meus olhos que passeiam agora por posters carregados de decibéis, enquanto o meu corpo se fixa naquela vitrine onde moram os fantasmas da minha vida passada. Nem uma réstia de revivalismo nesta minha atitude de passeio de domingo à tarde “à antiga”. Procurar o passado foi chão que já deu uva desde que nos instalámos nos nossos i-pods e bandas-largas 4G. O que procuro ao ir de encontro ao vidro sujo é uma fuga para a continuação da criação, num gesto de recusa à paralisação da história. “Just because you're paranoid, don’t mean they're not after you…”, diz-me ele ao ouvido em tom de aviso ou provocação. E eu parto em frente no caminho da reescrita das suas palavras. Como se o tivesse escolhido para o perpeturar na escrita do tempo, numa dança em que o escolhi como par. Nesta já não se percebe quem está atrás de quem. O movimento da história continua sem interrupções nos néons desligados da última montra de discos. Agora que me encontro do lado de dentro, ligo de novo os microfones aos amplificadores de garagem. São vários os instrumentos de amplificação que se dispõem lado a lado e onde gritamos: “Gotta find a way , find a way, when I'm there, Gotta find a way, a better way, I'd better wait”. E o eco do nosso grito sente-se agora no reverberar dos vidros da última montra e no silêncio dos nossos espetadores.