O ALIENISTA (2006)

FICHA TÉCNICA
Co-criação e Interpretação: Bruno Esteves , Daniela Simão , Eduarda Gordino , Mara Filomeno , João Alberto Soares , Nuno Leão , Nuno Pio , Ricardo Marques, Ricardo Martins Som : Luís Amaro Luz: Sérgio Lopes Fotografia : Paulo Costa Vídeo : Alexandre Banhudo Design Gráfico : Celso Lopes Produção : Milene Pio/ Cães à Solta

SOBRE O ESPAÇO CÉNICO
 



 









O nosso palco no Aliensta não é um espaço convencional. Toda a disposição coloca barreiras à compreenção. Há um pano. Apesar de todos estarem de frente uns para os outros, há um pano. Uma parede fisica que filtra a forma de ver. Mesmo havendo uma tv que não passa de um outro filtro de outra imagem qualquer. O espaço dá-se na forma de ser visto. O espaço é (também) elemento da mentira teatral. No alienista e em qualquer outro espéctáculo ele será mentira, porque senão seria a própria realidade ( talvez a nossa tv seja mesmo espaço real, não sei) mas nós podemos assumi-lo como mentira. Não trazemos nenhuma novidade a não ser admiti-lo. E porquê reconhecer algo que destruirá logo todo a credibilidade ficional que a acção poderia ter? Porque há mais público. Porque eles próprios estão dentro do campo cénico e não lhes passa pela cabeça negarem-se a eles próprios e "sairem" daquele espaço para verem a verdade da acção.

IMAGENS





CRÍTICA

 “O Alienista” é uma peça de Machado de Assis que fala do binómio razão/loucura. Neste caso, não foi “loucura” a escolha desta peça, cujo tema tem servido de base às representações do grupo de teatro “Cães à Solta”, nem tão pouco o foi a representação – imaginativa, inovadora e surpreendente.Logo no início, somos separados à entrada e separados, também, pela construção da Casa Verde, como se formássemos duas metades da vida que pretendemos distinguir mas cujo sentido só se forma na presença da outra. Loucura e Razão partilham o espaço, mas encontram-se distanciadas por esta casa, este muro. Mas este mundo não faz sentido sem o outro, e a tentativa de separar o trigo do joio nunca resulta na plenitude… causa confusão, sofrimento. O limite não é definido, é ténue, nestes dois mundos que se complementam.Há um questionamento constante dos fenómenos da loucura. Será que somos verdadeiramente normais? Qual o padrão da normalidade? O que é loucura? E as respostas não são claras, criam mais perguntas, num ciclo infindável que nos leva à interrogação de nós próprios.A surpresa é constante e a novidade cénica apresentada nesta representação dá um maior vigor ao conceito central da peça. Somos manipuladores e manipulados, arrastados para um mundo dividido, sombra de uma outra face da moeda. Somos estimulados sonora e visualmente, integrados num mundo onde o outro é apenas sombra, vestígio, um fantasma que perscruta o “nosso” mundo. No final, o “sábio”, que construiu a Casa e tenta encontrar o que ele considera ser a Verdade, torna-se “louco”, imbuído na sua busca incessante, incapaz de lidar com a realidade, e a Casa acaba por cair. A Fonte de Poder que antes exercia o controlo é destruída, e nada resta a não ser o isolamento, a solidão.Este sentimento não é contudo aquele com que os espectadores saem de lá. Sentimos que, de facto, também nós fomos “empurrados” para uma das realidades que alguém pretensiosamente quis separar. Fica apenas um desejo: o de ver o outro lado da moeda.
 *Vera Lúcia Sousa